Revogada a lei da morte certa
Foi já publicado no Diário da Assembleia da República o Decreto nº11/XIII que revoga as alterações aprovadas pelo anterior governo PSD-CDS à lei do regime especial de invalidez. Estas alterações, contidas no decreto-lei 246/2015, tinham como consequência tornar mais difícil o acesso dos pacientes de doenças incapacitantes como a Esclerose Múltipla, o Alzheimer ou as enfermidades oncológicas a receberem uma proteção especial na invalidez. Promulgado no último dia de vigência do governo anterior, este decreto chegou a ser chamado de “lei da morte certa” porque criava como condição de acesso ao regime especial de invalidez que o requerente se encontrasse incapacitado permanentemente para o trabalho e fosse portador de uma doença que clinicamente se previsse evoluir “para uma situação de dependência ou morte num período de três anos”.
O resultado foram os protestos generalizados das associações de doentes, de médicos e de sindicatos, tendo mesmo o bastonário da Ordem dos Médicos afirmado que só uma “mente tortuosa” poderia criar um parâmetro como o da previsão de morte em três anos. “Nenhum médico vai passar um atestado destes. Isto não é terminologia médica”, afirmou.
O decreto patrocinado pelo então ministro Pedro Mota Soares, do CDS, extinguia também a lista de doenças crónicas e incuráveis cujos pacientes tinham acesso a esse regime especial (paramiloidose familiar, doença de Machado-Joseph, sida, esclerose múltipla, doenças de foro oncológico, esclerose lateral amiotrófica, doença de Parkinson e doença de Alzheimer), com o argumento de que o regime especial devia abranger também outras doenças, o que à primeira vista parecia razoável mas afinal apenas procurava esconder a maior restrição ao acesso devido à condição da dependência ou morte em três anos.
Na verdade, o verdadeiro objetivo do decreto era “cortar nas pensões de invalidez”, como denunciou o secretário-geral da Liga Portuguesa Contra o Cancro, Carlos Oliveira.
Acesso a pacientes de outras doenças
O Decreto da Assembleia da República mantém a lista de doenças que constava na Lei antes da alteração promovida pelo PSD e o CDS, e acrescenta um segundo ponto que determina o acesso dos “beneficiários que se encontrem em situação de incapacidade permanente para o trabalho (...) decorrente de outras doenças (…) de aparecimento súbito ou precoce que evoluam rapidamente para uma situação de perda de autonomia com impacto negativo na profissão por eles exercida”.
Desta forma, pacientes de outras enfermidades crónicas igualmente incapacitantes poderão também ter acesso ao regime especial de invalidez.
Sublinhe-se que não basta ter contraído uma das doenças da lista para se ter acesso à pensão por invalidez. É sempre necessária a verificação da incapacidade para o trabalho, feita por uma Junta Médica. A diferença do regime especial de invalidez para o regime geral é que o primeiro foi criado tendo em vista, como explica o deputado Jorge Falcato, do Bloco de Esquerda, que “as pessoas que têm doenças crónicas necessitam de um regime especial de apoio" porque "muitas destas pessoas adquirem incapacidades muito cedo, tendo por isso carreiras contributivas muito curtas. A diminuição do prazo de garantia para acesso a uma pensão de invalidez e o aumento da taxa anual de formação da pensão foram as formas encontradas, e com as quais concordamos, para compensar a interrupção abrupta da atividade profissional".
Quanto à Tabela Nacional de Funcionalidade, usada como parâmetro a aplicar pelos médicos que verificam as incapacidades, só será aplicada “durante seis meses, a título experimental como meio de avaliação complementar”, e o resultado desta aplicação será avaliado por uma comissão especializada nomeada pelo Ministro do Trabalho da Solidariedade e da Segurança Social. A mesma comissão fará uma avaliação e apresentará um relatório das alterações à lei do regime especial, que o governo tomará como base para fazer uma reavaliação global deste regime.
PSD e CDS queriam manter “morte certa”
O Decreto nº11/XIII da Assembleia da República será transformado em lei quando for promulgado e publicado no Diário da República, mas produz efeitos a partir de 1 de janeiro de 2016, anulando, assim, alguma decisão tomada ao abrigo da “Lei da morte certa”. Este diploma foi o resultado de uma iniciativa do Bloco de Esquerda, que deu entrada, no dia 19 de novembro, com um pedido de Apreciação Parlamentar. Esta iniciativa, segundo o regimento da AR, permite trazer para o Parlamento decretos-lei que tenham sido aprovados, como foi o caso, pelo Conselho de Ministros sem passarem pelo debate parlamentar.
A apreciação foi discutida em plenário, conjuntamente com uma iniciativa semelhante do PCP, e os dois textos baixaram à Comissão de Trabalho e Segurança Social sem votação. Na comissão, PS, Bloco, PSD e CDS apresentaram novas propostas e foi negociado o texto final do decreto, votado finalmente no dia 22 de janeiro deste ano.
O Decreto nº11/XIII foi aprovado com os votos favoráveis do PS, Bloco de Esquerda, PCP, PEV e PAN, e a abstenção do PSD do CDS. Durante os trabalhos na comissão, ambos os partidos de direita apresentaram uma proposta de alteração que mantinha como condição de acesso que o requerente tivesse uma previsão clínica de que a sua doença evoluiria para uma “situação de dependência ou morte num período de três anos”.